Com o advento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 104/01), o legislador introduziu no ordenamento jurídico o parágrafo único do art. 116 do CTN, que tem como objetivo outorgar à autoridade administrativa o poder de desconsiderar atos ou negócios jurídicos cuja finalidade seja a dissimulação do fato gerador e dos elementos constitutivos da obrigação tributária.
Tal parágrafo, chamado comumente pela doutrina de “norma geral antielisão”, trouxe aos contribuintes questionamentos e dúvidas sobre os limites do planejamento tributário.
O referido dispositivo teve sua constitucionalidade discutida pela Confederação Nacional do Comércio nos autos da ADIN n.º 2.446, sob o argumento de que a norma em questão permitiria à autoridade fiscal tributar “fato gerador não ocorrido e previsto em lei”, além de introduzir a “interpretação econômica” no direito tributário brasileiro “ensejando tributação por analogia”.
Por ocasião do julgamento ADIN n.º 2.446, o Supremo Tribunal Federal considerou constitucional o parágrafo único do art. 116 do CTN, visto que “não proíbe o contribuinte de buscar pelas vias legítimas e comportamentos coerentes com a ordem jurídica, economia fiscal, realizando suas atividades de forma menos onerosa, e, assim, deixando de pagar tributos quando não configurado fato gerador cuja ocorrência tenha sido licitamente evitada.”
Dessa maneira, incumbe à autoridade fiscal apenas aplicar a base de cálculo e alíquota a uma hipótese de incidência estabelecida em lei que tenha se realizado. A interpretação contrária implicaria na possibilidade de o Fisco tecer conclusões subjetivas, especialmente no que diz respeito ao propósito do contribuinte, em frente a práticas admitidas e válidas perante a legislação.
E nem poderia ser de outra forma, afinal, o direito ao planejamento tributário decorre do próprio princípio da liberdade e da livre iniciativa (art. 5º, XII e art. 170 da CF, respectivamente), conjuntamente com o princípio da legalidade (art. 5º, II), o qual consagra que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de Lei.
A ministra Carmem Lúcia, relatora da ação, ainda afirmou ser inapropriada a denominação do parágrafo único do art. 116 do CTN como norma antielisão. Assim, tratando-se, unicamente, de norma de combate à evasão fiscal, especialmente porque enquanto na elisão fiscal há a diminuição lícita dos valores tributários devidos, antes da ocorrência do fato gerador, na evasão o contribuinte atua de forma a ocultar o fato gerador materializado para omitir-se do pagamento da obrigação tributária devida. Em outras palavras, evitar (licitamente) a ocorrência do fato gerador, é diferente de ocultar (ilicitamente) a sua ocorrência.
Assim, a norma em questão não tem como escopo retirar incentivo ou
estabelecer proibição ao planejamento tributário das pessoas físicas ou
jurídicas. Portanto, importantes conclusões podem ser extraídas desse julgamento:
- O Supremo reafirmou a liberdade dos contribuintes de realizar planejamentos tributários, na consecução de suas atividades da forma menos onerosa, podendo adotar procedimentos lícitos que busquem reduzir o impacto dos tributos em seus negócios;
- A eficácia da norma depende de lei ordinária para estabelecer o procedimento a ser adotado pela autoridade fiscal, sendo que a futura regulamentação deverá respeitar os parâmetros fixados pelo STF;
- Autuações fiscais não poderão ser fundamentadas em teorias não recepcionadas pela ordem jurídica, em flagrante ofensa ao entendimento firmado pelo Plenário do STF.